Você já se perguntou qual o futuro do trabalho na era digital e qual é o papel da liderança nisso?
Se essa pergunta fosse feita há 20 anos atrás, talvez as perspectivas fossem diferentes. Sem essa onda de metaverso, marketing através de redes sociais, demandas assíncronas e flexibilidade.
A verdade é que o tempo passa rápido e as mudanças são a nossa única certeza.
Você já percebeu que, ao passo que a tecnologia evolui, o foco no mercado de trabalho passa a ser cada vez mais voltado ao capital humano?
Olha, esse é um papo que rende muito, por isso, convidamos um especialista no assunto. Alexandre Pellaes é palestrante, professor e pesquisador sobre assuntos relacionados ao futuro do trabalho e gestão.
Com mais de 20 anos de experiência em Gestão Estratégica de resultados, o nosso entrevistado também é colunista do UOL Economia em temas como Liderança e RH, é LinkedIn Top Voices em Carreira e soma mais de 80 mil seguidores no Instagram.
Vamos aprender mais sobre o Futuro do Trabalho? Confira a entrevista 👇
Quais os maiores desafios para o futuro do trabalho no Brasil?
Ale Pellaes: Olha, os principais desafios são relacionados à educação, à formação das pessoas e à preparação para as novas vagas.
Ao mesmo tempo que no Brasil nós temos milhões de pessoas desempregadas, temos também mais de um milhão de vagas abertas, que não conseguem ser preenchidas. Existe um descasamento entre as oportunidades abertas nas organizações e as competências necessárias para preenchê-las.
É muito comum você escutar que as empresas têm vagas, estão procurando uma pessoa e não conseguem encontrar. Portanto, os nossos desafios do futuro do trabalho, estão no desenvolvimento das pessoas e das suas competências, para que elas possam performar dentro das organizações.
Como consequência dessa defasagem educacional, a gente tem um baixo nível de inovação dentro do Brasil. Acabamos repetindo erros, mas, na verdade, precisamos nos desprender e conseguir atuar com mais autonomia.
E para que haja autonomia, as pessoas têm que ter preparo, maturidade e a capacidade de lidar com o espaço que elas solicitam no ambiente organizacional. Esses são dois grandes desafios, olhando para o futuro do trabalho dentro do Brasil.
Como você decidiu trabalhar e se especializar na área de liderança e futuro do trabalho?
Ale Pellaes: Meus pais ensinaram para meus irmãos e para mim que deveríamos estudar, fazer faculdade e arrumar um emprego em uma boa empresa que pudesse ter uma jornada de carreira definida, para virar gerente mesmo. O objetivo era o cargo!
Nesse contexto, o importante era fazer o que era solicitado, ser competente, trabalhar pesado e não reclamar. Deu certo. No entanto, durante essa jornada, fui perdendo minha autenticidade e espontaneidade.
Após 15 anos de carreira, compreendi que eu poderia ter uma forma de agir diferente e que poderia ser um agente de transformação dentro das empresas.
Isso aconteceu quando trabalhava em uma empresa americana, chamada W.L.Gore, que é muito conhecida por ter uma cultura organizacional menos rígida, sem chefes, sem cargos, sem “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
Então, comecei a desenvolver com mais profundidade o interesse por liderança e gestão. Decidi estudar o comportamento humano, fiz mestrado em psicologia do trabalho na Universidade de São Paulo (USP) e agora curso o doutorado, buscando identificar quais são os fatores do mundo do trabalho que influenciam nossa autorrealização.
Como você definiria uma liderança saudável?
Ale Pellaes: A liderança saudável é aquela que consegue enxergar o ser humano por trás do crachá. Está cada vez menos presa a uma estrutura de poder hierarquizada ou com foco nos cargos e entregas, mas enxerga a relevância em como as relações organizacionais acontecem.
Ou seja, foco na qualidade da relação, não tanto na pressão do que é entregue. Ela enxerga e reconhece a importância de como a relação é construída para que ela possa ser saudável e haver uma troca; pois ela também tem abertura para receber.
A relação é bidirecional, o poder não é colocado como forma de conhecimento, mas como uma estrutura para facilitar as rotinas.
O foco não está em mostrar como ela é capaz de fazer algo diferenciado, ou que tem conhecimento; ela se coloca a serviço da construção de resultados e desenvolvimento da equipe e da organização.
Nesse sentido, quais seriam os hard e soft skills de um líder do futuro?
Ale Pellaes: É difícil a gente colocar de maneira generalizada, porque cada mercado tem características muito únicas, né?
Mas, se pudermos olhar com uma lente mais distante, é muito necessário que a liderança esteja atualizada do ponto de vista técnico do seu mercado, ou seja, conhecendo as tendências, produtos, concorrentes e a forma de interação com seus clientes ou consumidores.
A liderança tem sim um papel diferenciado de responsabilidade em conhecer mais sobre os negócios e mercados, porque a visão estratégica é essencial para ela.
O líder não é a apenas a pessoa mais legal que cria relacionamento mais fácil, (isto também é importante), mas aquele que tem senso estratégico de conhecimento, de mercado e de conexão com oportunidades de negócio. Esses seriam os hard skills.
Do lado do soft skills, cito a construção de relacionamentos humanos e a vulnerabilidade. O líder do futuro é corajoso para levantar e expor o que precisa ser mudado, mas que também pra sentar e escutar o que pode ser melhorado do ponto de vista de gestão – e, às vezes, até do ponto de vista de práticas organizacionais, porque, assim, ele continuará se desenvolvendo nesse mercado incerto, disputado e mutável.
Quais as principais diferenças entre um líder que atua no presencial e no remoto? O que é preciso levar em consideração em cada caso?
Ale Pellaes: Existem diferenças marcantes no exercício da liderança presencial e remota. Possivelmente, a principal delas é o nível de atenção e cuidado proativo que a liderança deve ter na construção do seu relacionamento remoto.
No trabalho presencial, a construção da relação, muitas vezes, acontece mais naturalmente e existem episódios não planejados de interação que, por haver disponibilidade presencial, acabam acontecendo. Você cruza com o líder ou a líder no cafezinho, quando tem que marcar uma reunião de última hora. De repente, você puxa a pessoa e começa a conversar… Existe uma construção mais espontânea da qualidade dessa relação de liderança.
Já no ambiente virtual/remoto, as relações ficam em pausa, enquanto as pessoas estão fazendo algumas atividades assíncronas, que não dependem da interação imediata.
Ao não ver a pessoa, muitas vezes, a liderança nem lembra que ela precisava ter uma conversa ou falar sobre um determinado desafio. Ou seja, existe um trabalho adicional dentro da conexão remota para que se crie essa relação.
Imagine que o líder tem uma dúvida ou uma ideia, ele precisa entrar em contato com essa pessoa, achar uma forma de contato. Ela está disponível? Pode abrir a câmera?
No presencial, você acompanha um pouco mais as pessoas e vê o que está acontecendo, troca perguntas, ideias. No remoto, por outro lado, tudo isso tem que ser provocado.
Ou seja, se você não tiver uma rotina de práticas de conexão, pode ser que ela se esfrie e você perca a oportunidade de ter uma relação com mais empatia, leveza e espontaneidade.
Sendo no remoto ou no presencial, a liderança precisa focar em controle de negócios, não no controle de pessoas. Nos dois casos ainda há o desafio de criar essa conexão legítima, de fomentar a empatia e reforçar a necessidade da troca humana.
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Como os líderes podem construir uma relação de confiança com seus liderados?
Ale Pellaes: A construção de uma liderança sempre se baseia na troca, na transparência, e na humanização. Ou seja, a liderança não é algo inatingível. Não se trata de uma pessoa diferenciada e com superpoderes.
O líder não precisa ser uma pessoa capaz de resolver todos os problemas ou brigar com as pessoas quando elas não fazem aquilo que disseram que iam fazer. Acredito que quando trabalhamos baseados em autoridade de obediência (manda quem pode, obedece quem tem juízo), as relações acontecem por pressão, não por confiança.
É preciso enxergar o potencial de conhecimento das pessoas e trabalhar o máximo possível dentro do conceito de delegação.
Dica: Existe uma teoria que se chama delegação dinâmica ou matriz de delegação, ela ajuda a identificar o nível de maturidade dos colaboradores para que o líder compartilhe com liderados e lideradas os desafios e as tomadas de decisão.
É preciso sair daquela relação de líder que concentra e decide tudo sozinho, pois assim as pessoas ficam infantilizadas e toda vez que aparece um desafio, ao invés de agir, elas perguntavam ao chefe: “o que eu faço?”
Qual a responsabilidade da liderança quando o assunto é turnover?
Ale Pellaes: Essa é uma pergunta bem interessante e haverá pessoas com pontos de vista muito diferentes sobre ela.
Eu tenho um ponto de vista bastante peculiar. Acho que a liderança tem uma responsabilidade limitada sobre a questão do turnover. Claro, a liderança é muito responsável pela cultura da organização, tem uma influência forte sobre ela e sobre a qualidade das relações e engajamento, mas, em última instância, a decisão de deixar uma organização é individual.
As empresas falam muito sobre retenção de talentos como se isso fosse apenas o papel do líder, de ficar fomentando e segurando aquela pessoa, quando na verdade a retenção é a consequência de uma empresa saudável, que passa confiança.
O turnover é reduzido naturalmente quando existe uma liderança humanizada, que atua pelo exemplo e entende que deve oferecer suporte técnico e emocional. A liderança precisa enxergar o seu papel, a sua competência de gerar desenvolvimento e desafiar as pessoas a crescer.
Como as empresas podem se tornar lugares incríveis para se trabalhar?
Ale Pellaes: O Prêmio “Lugares Incríveis para se trabalhar” é uma iniciativa anual da FIA, que por meio do índice de experiência do funcionário dentro das organizações, vai mensurar diversos indicadores de crescimento das empresas.
Para uma empresa se tornar esse lugar, é preciso respeitar a individualidade da cultura daquela organização e ter um foco na qualidade da construção da relação com os indivíduos que trabalham lá. Eu também acrescentaria:
É preciso respeitar as pessoas
É preciso respeitar a intencionalidade das pessoas que se juntaram àquela organização, ter transparência nas relações, sem imposição de poder e comando e com abertura construir coisas novas – claro, de acordo com o nível de maturidade das pessoas e com o risco da tomada de decisões.
Chega de lugares engessados
Essa empresa é um lugar mais fluido, onde as pessoas são reconhecidas com autonomia e conseguem trabalhar com saúde e segurança psicológica e podem construir relações sérias, sem abuso, onde se sentem enxergadas e podem desenvolver o seu potencial além do seu crachá.
As pessoas precisam ser elas mesmas
É um lugar que permite a pessoa trabalhar na sua integralidade, um lugar onde não existe uma prescrição rígida de tudo que a pessoa vai fazer pra que isso não tenha uma despersonalização daquele indivíduo.
Por fim, um lugar incrível para trabalhar é uma empresa que se reconhece como plataforma de desenvolvimento humano e construção de legado.
Que dicas você daria para líderes e gestores que desejam crescer no futuro do trabalho?
Ale Pellaes: O primeiro ponto para acelerar as suas carreiras e transformar o ambiente de trabalho é fazer um exercício de autorreflexão. O autoconhecimento é algo essencial para a liderança. Hoje nós temos líderes que são míopes e enxergam muito pouco do impacto que tem sobre as pessoas.
Se você é líder, o que significa liderança para você?
Muita gente se tornou líder como passo de carreira; era um movimento de subida organizacional. De repente, a pessoa se vê numa cadeira, com um crachá que dá a oportunidade de ser líder. Geralmente, as pessoas querem isso, mas não entendem bem as responsabilidades e como fazer da melhor forma.
Ser líder é se preocupar com pessoas, é de fato zelar pelo crescimento e desenvolvimento da organização.
Liderança não é característica de uma pessoa, liderança é característica de uma relação. É uma mentalidade, não um cargo.
Embora a organização tenha muitos indicadores para mensurar você como profissional, tenha uma intenção específica sobre o impacto que você quer causar. Se você não tiver consciência sobre isso, você será apenas uma pessoa cumprindo ordens e não um líder transferindo a sua intenção em ação.
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